Revisão de contratos com base na imprevisão: quando é possível e como funciona
- Edson Ferreira
- 4 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de set.

A estabilidade e a força obrigatória dos contratos são pilares das relações empresariais. Contudo, eventos extraordinários e imprevisíveis — como pandemias, guerras, quebras de mercado, hiperinflação, ou mudanças regulatórias abruptas — podem tornar o cumprimento de certas obrigações excessivamente oneroso para uma das partes.
É nesses contextos que se aplica a teoria da imprevisão, que permite a revisão ou resolução do contrato por desequilíbrio superveniente. Neste artigo, explicamos os fundamentos legais, requisitos, jurisprudência recente e como sua empresa pode se proteger e agir de forma segura em cenários de imprevisibilidade contratual.
1. O que é a teoria da imprevisão?
A teoria da imprevisão é um instituto jurídico que admite a revisão judicial de um contrato válido e regularmente celebrado, quando fatos imprevisíveis e extraordinários tornam excessivamente onerosa a obrigação para uma das partes, rompendo o equilíbrio inicial do negócio.
Trata-se de uma exceção à regra do pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos), prevista no ordenamento brasileiro com base na função social do contrato e nos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual.
2. Fundamentos legais aplicáveis
Código Civil – Art. 317
“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
Código Civil – Art. 478
“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em razão de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.”
Código de Defesa do Consumidor – Art. 6º, V
Reconhece ao consumidor o direito à modificação das cláusulas contratuais que se tornem excessivamente onerosas por fatos supervenientes.
3. Requisitos para revisão por imprevisão
Para que a revisão contratual com base na imprevisão seja admitida judicialmente, é necessário comprovar:
· Contrato de trato sucessivo ou com execução futura;
· Evento superveniente, imprevisível e extraordinário (ex.: pandemia, desastre natural, instabilidade macroeconômica abrupta);
· Desequilíbrio contratual relevante, com onerosidade excessiva para uma parte e vantagem exagerada para a outra;
· Ausência de culpa ou risco assumido previamente por quem invoca a revisão;
· Boa-fé e tentativa de renegociação extrajudicial.
4. Jurisprudência: revisão e pandemia como exemplo concreto
A pandemia de Covid-19 reavivou a teoria da imprevisão nos tribunais, dando origem a diversas decisões que reconheceram a necessidade de adequação proporcional e temporária das obrigações.
“É cabível a revisão contratual por onerosidade excessiva decorrente da pandemia, desde que comprovada a imprevisibilidade, a desproporção na prestação e a tentativa prévia de negociação.” (STJ – REsp 1.870.120/SP)
“A teoria da imprevisão justifica a modificação equitativa de cláusulas contratuais, sobretudo nos contratos de longa duração afetados por fatos excepcionais.” (TJSP – ApCiv 1010422-59.2020.8.26.0100)
“O aumento abrupto do custo de insumos essenciais, aliado à instabilidade cambial, configura fato imprevisível capaz de ensejar revisão do contrato.” (TJMG – ApCiv 1.0000.21.027345-4/001)
5. Quais contratos podem ser revisados com base na imprevisão
· Contratos de fornecimento contínuo ou de longo prazo;
· Contratos de locação comercial afetados por eventos externos;
· Contratos de prestação de serviços com reajuste fixo e insumos variáveis;
· Contratos de empreitada, construção ou infraestrutura com desvalorização cambial ou ruptura da cadeia de suprimentos;
· Contratos financeiros ou de financiamento com cláusulas desproporcionais diante de novo contexto econômico.
6. Como agir preventivamente para reduzir riscos
1. Incluir cláusula de renegociação por evento extraordinário
Cláusulas que preveem expressamente que as partes se obrigam a renegociar o contrato diante de mudanças imprevisíveis reduzem o risco de judicialização e demonstram boa-fé.
2. Monitorar fatores de risco durante a execução do contrato
Indicadores de inflação, câmbio, cadeia de suprimentos e políticas públicas devem ser acompanhados continuamente.
3. Tentar a solução extrajudicial antes da revisão judicial
Oferecer aditivos, parcelamentos ou prorrogação antes de recorrer ao Judiciário é visto com bons olhos pelos tribunais.
4. Formalizar todo o histórico contratual
Notificações, e-mails, propostas de renegociação e atas de reunião documentam a tentativa de solução e evitam alegações infundadas.
7. Considerações finais
A revisão contratual por imprevisão não representa o enfraquecimento dos contratos, mas sim a manutenção do equilíbrio e da boa-fé em contextos excepcionais. Empresas que atuam de forma diligente e estratégica conseguem preservar as relações comerciais, proteger seus interesses e evitar litígios prolongados.
A atuação preventiva e orientada por uma assessoria jurídica especializada é a chave para estruturar contratos resilientes, com cláusulas de proteção e mecanismos flexíveis de reequilíbrio.


