REURB e seus Efeitos: Aspectos Jurídicos, Cronológicos e Práticos da Regularização Fundiária
- Edson Ferreira
- há 3 dias
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A Regularização Fundiária Urbana (REURB), instituída pela Lei nº 13.465/2017 e regulamentada pelo Decreto nº 9.310/2018, representa um marco jurídico para enfrentar a histórica ocupação informal de áreas urbanas no Brasil.
Trata-se de procedimento complexo, que integra direito urbanístico, registral, tributário, previdenciário e ambiental, envolvendo responsabilidades do poder público municipal, dos loteadores, síndicos, moradores e do próprio Cartório de Registro de Imóveis (CRI).
Este artigo apresenta, de forma cronológica e congruente, os principais fundamentos constitucionais e legais da REURB, seus desdobramentos e efeitos práticos até a emissão da Certidão de Regularização Fundiária (CRF).
1. Fundamentos Constitucionais
A Constituição Federal estabelece o alicerce da regularização urbana:
· Art. 5º, XXIII – a propriedade deve cumprir sua função social;
· Art. 182 – política de desenvolvimento urbano é competência do Município, garantindo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade;
· Art. 225 – direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Esses princípios obrigam o poder público a adotar medidas para superar a informalidade e assegurar a segurança jurídica da posse e da moradia.
2. Marcos Legais e Normativos
2.1. Lei nº 6.766/1979 – Parcelamento do Solo Urbano
Disciplina os requisitos de loteamentos e desmembramentos, exigindo aprovação municipal e registro no CRI.
Na prática, muitos empreendimentos ignoraram essas exigências, resultando em núcleos informais.
2.2. Lei nº 8.176/1991 – Crimes contra a Ordem Econômica e o Patrimônio
Tipifica condutas de parcelamento irregular como ilícitos penais, responsabilizando loteadores que comercializam imóveis sem aprovação.
2.3. Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade
Estabelece diretrizes da política urbana, reforçando a função social da propriedade e fornecendo instrumentos de regularização e usucapião especial urbana.
2.4. Lei nº 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos
Dispõe sobre o registro imobiliário, essencial para consolidar a regularização: sem matrícula, não há propriedade plena.
2.5. Lei nº 13.465/2017 – Marco da Regularização Fundiária
Instituiu a REURB-S (Social) e a REURB-E (Específica), aplicável a núcleos urbanos consolidados até 22/12/2016.
É a principal norma, pois sistematiza a atuação do Município, legitima a participação de loteadores e moradores e estabelece o papel do CRI.
2.6. Decreto nº 9.310/2018
Regulamenta a Lei nº 13.465/2017, detalhando o procedimento da REURB, os documentos necessários e a emissão da Certidão de Regularização Fundiária (CRF).
3. Procedimento Cronológico da REURB
3.1. Iniciativa
· Pode ser proposta pelo Município, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, por associações de moradores ou por particulares interessados (ex.: síndico de prédio).
3.2. Estudo de Viabilidade
· Envolve análise jurídica, urbanística e ambiental;
· Necessidade de planta “as built”, memorial descritivo e comprovação da consolidação até 2016.
3.3. Aprovação Municipal
· A Prefeitura classifica a modalidade (S ou E);
· Exige adequações mínimas de infraestrutura (rede de água, esgoto, iluminação, drenagem, acessibilidade, segurança contra incêndios).
3.4. Emissão da CRF
· Documento central do processo, que legitima a regularização;
· É título hábil para registro no CRI.
3.5. Registro no Cartório de Imóveis
· A CRF é registrada e promove:
o abertura de matrícula-mãe;
o abertura de matrículas individualizadas para cada unidade/lote;
o averbação da construção, quando aplicável.
4. Efeitos Tributários e Previdenciários
4.1. ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis)
· Não incide sobre a emissão da CRF;
· Será exigido apenas nas transmissões futuras das unidades regularizadas.
4.2. IPTU
· Após a regularização, haverá atualização do valor venal do imóvel e cobrança do IPTU individualizado;
· Não cabe cobrança retroativa de décadas de IPTU não lançado.
4.3. Foro (Terrenos da União)
· Em áreas de marinha ou foreiras, pode haver cobrança de foro ou taxa de ocupação pela SPU após o registro.
4.4. INSS da Construção
· A averbação de construção no CRI exige comprovação da quitação do INSS relativo à obra (CND/CEI ou matrícula CEI/CNO), nos termos do art. 47 da Lei nº 8.212/91.
5. Responsabilidades dos Envolvidos
· Loteador: responsável por implantar infraestrutura e responder civil e penalmente por loteamentos irregulares;
· Síndico/Associação: papel ativo na mobilização, contratação de profissionais e custeio da regularização;
· Município: autoridade central, responsável por aprovar e emitir a CRF;
· Cartório de Registro de Imóveis: responsável por registrar a CRF, abrir matrículas e averbar construções;
· Ministério Público: fiscal da ordem urbanística, pode propor ACPs ou TACs para obrigar regularização.
6. Alternativa ou Complemento: Usucapião
Quando não há viabilidade coletiva da REURB, moradores podem buscar a usucapião individual ou familiar, judicial ou extrajudicial.
Contudo, a usucapião resolve apenas a situação individual, sem sanar irregularidades urbanísticas coletivas.
Conclusão
A REURB é hoje o principal instrumento de combate à informalidade urbana no Brasil.Seu processo percorre um caminho cronológico e integrado: da iniciativa, passando pela aprovação municipal, emissão da CRF e registro no CRI, até a efetiva valorização patrimonial e segurança jurídica.
Mais que um procedimento burocrático, a REURB materializa os princípios constitucionais da função social da propriedade, da dignidade da pessoa humana e do direito à cidade.Ao envolver o loteador, o síndico, o Município, o cartório e os moradores, cria uma verdadeira engrenagem de responsabilidade compartilhada, cujo resultado final é a transformação da posse em propriedade plena e regularizada.


