Incorporação Reversa e Incorporação de Sociedades Inativas: Planejamento Estratégico ou Simulação?
- Edson Ferreira
- 1 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de set.

O presente artigo examina a utilização da incorporação reversa e da incorporação de sociedades inativas como instrumentos de reorganização societária, com foco na distinção entre planejamento estratégico lícito e simulação ou fraude à lei. A análise considera o tratamento legal da operação de incorporação, os objetivos normalmente visados com sua reversão ou uso em empresas sem atividade operacional e os limites impostos pela legislação civil, tributária e societária. São destacados critérios doutrinários e jurisprudenciais para aferição da legalidade e da substância econômica dessas operações.
A reestruturação societária é instrumento legítimo e amplamente utilizado para fins de otimização operacional, sucessão empresarial, eficiência tributária e reorganização de grupos econômicos. Entre as modalidades admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, destacam-se a fusão, cisão e incorporação (arts. 1.116 a 1.122 do Código Civil e arts. 227 a 229 da Lei das S.A.).
Dentre essas, a incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, com transferência integral de seu patrimônio. Uma de suas variantes — a incorporação reversa — ocorre quando a controladora é incorporada por sua própria controlada, invertendo a lógica tradicional da operação.
Outra prática comum, mas juridicamente sensível, é a incorporação de sociedades inativas (sem atividade operacional, mas mantidas no grupo por conveniência contábil, fiscal ou registral).
Este artigo analisa os aspectos jurídicos dessas operações, diferenciando planejamento lícito de estrutura artificial ou simulada, com base na legislação societária, no Código Civil e na jurisprudência dominante.
2. Incorporação Reversa: Conceito e Fundamento Legal
2.1 Conceito
A incorporação reversa ocorre quando a sociedade controladora é incorporada por sua controlada, gerando a extinção formal da controladora e a permanência da controlada como entidade resultante.
Exemplo: a empresa A, controladora de B, é incorporada por B. A desaparece juridicamente, e B assume todo o seu patrimônio, inclusive a participação que A detinha em B.
2.2 Base legal
A legislação societária não veda expressamente a incorporação reversa, desde que:
Haja deliberação regular dos órgãos societários competentes;
A operação seja documentada e registrada nos termos legais;
Seja preservado o interesse da companhia e dos sócios (arts. 1.116 a 1.122 do CC).
3. Finalidades Lícitas da Incorporação Reversa
Simplificação de estrutura societária (eliminação de “níveis” intermediários de controle);
Aproveitamento de benefícios fiscais ou créditos tributários acumulados na controlada;
Planejamento sucessório, especialmente em holdings familiares;
Centralização de ativos ou passivos específicos, com racionalização contábil e administrativa.
A jurisprudência e a doutrina reconhecem a validade da incorporação reversa quando fundada em propósito negocial lícito, com suporte documental e substância econômica.
“A operação de incorporação reversa, embora incomum, é admitida quando demonstrada sua finalidade econômica e ausência de fraude ou simulação.” (TJSP, Ap. Cív. 1001982-23.2020.8.26.0100, j. 11/05/2022)
4. Incorporação de Sociedades Inativas: Riscos e Limites Jurídicos
4.1 Conceito
Refere-se à incorporação de sociedades que não possuem atividade operacional regular, mas permanecem registradas — por vezes apenas com ativos ou passivos específicos, ou mesmo sem movimentação relevante.
4.2 Riscos identificados
Utilização da sociedade inativa para absorver passivos da incorporadora;
Tentativa de “ressuscitar” uma pessoa jurídica sem propósito econômico;
Simulação de reorganização para ocultar bens, redirecionar dívidas ou dificultar execução judicial.
“A incorporação de sociedade inativa, sem finalidade negocial comprovada, pode ser desconsiderada judicialmente, caso configurada como simulação ou fraude.”(STJ, REsp 1.689.718/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 14/10/2020)
5. Critérios para Distinção entre Planejamento Lícito e Simulação
Planejamento Lícito | Estrutura Simulada ou Fraudulenta |
Finalidade econômica clara | Ausência de atividade ou objetivo negocial real |
Documentação regular e registro dos atos | Instrumentos lavrados com vícios ou incompletos |
Substância econômica e funcional | Empresa de fachada ou utilizada como “veículo” formal |
Deliberação válida e transparente entre sócios | Omissão de sócios, ocultação de controladores |
Reorganização compatível com normas contábeis | Desvio de finalidade ou ocultação patrimonial |
A verificação da legalidade da operação dependerá, muitas vezes, da comprovação da substância econômica e da boa-fé na estruturação e execução dos atos societários.
6. Jurisprudência Relevante
“A reorganização societária não afasta a possibilidade de responsabilização dos envolvidos quando caracterizada a utilização indevida de pessoa jurídica para ocultar bens ou confundir patrimônio.” (STJ, REsp 1.780.245/SP, Rel. Min. Ricardo Cueva, j. 23/06/2021)
“A absorção de sociedade inativa, sem atividade empresarial real, pode configurar fraude à execução se praticada após ciência da dívida.” (TJMG, Ap. Cív. 1.0000.21.102931-1/001, j. 02/02/2022)
“A validade da incorporação depende da finalidade econômica legítima e da ausência de prejuízo a credores e terceiros.” (TJSP, Ap. Cív. 1011122-67.2021.8.26.0100, j. 30/09/2023)
7. Boas Práticas na Estruturação de Incorporações Reversas ou de Inativas
Justificar expressamente a finalidade econômica da operação;
Registrar os atos em conformidade com as normas da Junta Comercial e da Receita Federal;
Manter a contabilidade regular e ativa das sociedades envolvidas;
Evitar qualquer movimentação societária em contexto de execução judicial sem motivação clara;
Observar o princípio da transparência e o interesse dos sócios minoritários.
8. Considerações Finais
A incorporação reversa e a incorporação de sociedades inativas são operações admitidas no ordenamento jurídico, mas sua validade dependerá da presença de substrato econômico, transparência e conformidade com os objetivos negociais legítimos.
Quando utilizadas para fins de ocultação de patrimônio, simulação de negócios ou fraude contra credores, tais operações podem ser anuladas judicialmente, ensejando inclusive a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização de sócios, administradores e terceiros envolvidos.
A atuação preventiva do assessor jurídico é essencial para evitar que operações estratégicas sejam interpretadas como abusivas, assegurando a legalidade, a função econômica e a integridade documental das reestruturações empresariais.


