Grupos Econômicos de Fato: Quando a Atuação Conjunta de Empresas Gera Responsabilidade Solidária
- Edson Ferreira
- 19 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de set.

Este artigo analisa o conceito e os efeitos jurídicos do grupo econômico de fato no âmbito do Direito Empresarial. Embora o ordenamento jurídico brasileiro reconheça a figura dos grupos econômicos formais, constituídos conforme a Lei das Sociedades por Ações, é cada vez mais comum o reconhecimento judicial de grupos econômicos informais (de fato), formados por empresas com atuação coordenada, unidade de interesse ou confusão patrimonial.
O estudo investiga os critérios para configuração dessa modalidade, os riscos de responsabilização solidária e as distinções em relação à desconsideração da personalidade jurídica.
No ambiente empresarial contemporâneo, é comum que empresas, embora formalmente autônomas, operem de maneira conjunta, coordenada e funcionalmente integrada, especialmente quando pertencem a um mesmo núcleo familiar, grupo de investidores ou estrutura operacional.
A essa realidade corresponde o conceito de grupo econômico de fato, que, mesmo sem previsão expressa em contrato ou registro, pode gerar responsabilidade solidária entre empresas envolvidas, com fundamento na boa-fé, função social da empresa e vedação ao abuso da personalidade jurídica.
Este artigo examina os elementos caracterizadores do grupo econômico de fato, sua distinção em relação aos grupos formais e os riscos decorrentes da atuação empresarial interligada sem os devidos cuidados jurídicos.
2. Grupo Econômico de Direito x Grupo Econômico de Fato
2.1 Grupo Econômico de Direito
Previsto na Lei das S.A. (Lei 6.404/76, arts. 265 a 277), exige:
Existência de sociedade controladora;
Acordo formal de grupo aprovado pelos sócios e registrado;
Relacionamento entre controladas e controladora pautado por regras específicas de governança.
2.2 Grupo Econômico de Fato
Constitui-se pela realidade da atuação empresarial, independentemente de formalização. A configuração decorre da análise fática das relações entre empresas que:
Compartilham sócios ou administradores;
Possuem sede comum ou estrutura operacional integrada;
Atuam no mesmo segmento com identidade de clientela;
Transferem recursos ou realizam movimentações patrimoniais cruzadas.
3. Fundamento Legal e Jurisprudencial
Embora o grupo econômico de fato não esteja tipificado em legislação específica, sua responsabilização é amparada por:
Art. 50 do Código Civil – abuso da personalidade jurídica;
Art. 265 do Código Civil – solidariedade não se presume, mas pode ser reconhecida por lei ou convenção tácita;
Art. 2º, §2º, da CLT (por analogia) – empresas com identidade de interesses e direção comum;
Princípios da boa-fé, função social da empresa e vedação à fraude.
“A configuração de grupo econômico não depende de formalização, mas sim da prática de atos coordenados entre empresas, com comunhão de interesses e confusão operacional.” (STJ, REsp 1.749.593/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17/11/2020)
4. Critérios para Reconhecimento de Grupo Econômico de Fato
A jurisprudência utiliza um conjunto de critérios indiciários, dentre os quais destacam-se:
Critério | Exemplo prático |
Comunhão de sócios e administradores | Empresas com mesmos controladores ou gestores |
Unidade patrimonial ou confusão de ativos | Bens de uma empresa registrados em nome de outra |
Sede ou estrutura operacional compartilhada | Empresas funcionando no mesmo endereço ou com mesma equipe |
Transferência frequente de recursos | Empréstimos não formalizados, contas bancárias comuns |
Atuação coordenada no mercado | Concorrência aparente com objetivo de dividir clientela ou manipular preços |
Estratégia empresarial unificada | Planejamento tributário ou societário integrado entre empresas |
“É suficiente a existência de coordenação operacional, unidade de controle e confusão patrimonial para responsabilizar empresas como integrantes de grupo econômico de fato.”(TJSP, Ap. Cív. 1009233-81.2021.8.26.0100, j. 12/12/2023)
5. Consequências da Configuração do Grupo Econômico de Fato
5.1 Responsabilidade solidária
Reconhecido o grupo, as empresas podem ser solidariamente responsáveis por obrigações civis, trabalhistas, fiscais ou comerciais;
Não é necessário demonstrar culpa individual — basta a prova da atuação coordenada e do interesse comum.
5.2 Ampliação do polo passivo em execuções
Possibilita a inclusão direta de empresas do grupo em execuções, mesmo que não figurem no título executivo inicial.
5.3 Risco de desconsideração cruzada
A constatação de grupo econômico de fato pode ensejar desconsideração da personalidade jurídica entre empresas formalmente distintas, quando há desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
6. Diferença entre Grupo Econômico de Fato e Desconsideração da Personalidade Jurídica
Grupo Econômico de Fato | Desconsideração da Personalidade Jurídica |
Responsabiliza empresas interligadas | Responsabiliza sócios ou administradores diretamente |
Exige demonstração de atuação coordenada | Exige desvio de finalidade ou confusão patrimonial |
Pode gerar solidariedade entre pessoas jurídicas | Estende os efeitos obrigacionais da pessoa jurídica à física |
Não depende de má-fé, basta relação funcional | Depende de abuso ou fraude comprovada |
7. Boas Práticas para Mitigar Riscos de Responsabilização Cruzada
Separar formal e materialmente as atividades das empresas do grupo;
Manter contabilidade própria e independente para cada sociedade;
Formalizar contratos e transferências entre empresas (inclusive mútuos);
Evitar o uso de sede, funcionários ou recursos comuns sem previsão contratual;
Estabelecer gestões distintas, com autonomia decisória efetiva;
Registrar eventuais relacionamentos societários ou de controle.
8. Considerações Finais
A existência de grupo econômico de fato não se limita à formalidade contratual. A atuação coordenada de empresas, com unidade de interesses e integração operacional, pode gerar responsabilidade solidária e riscos jurídicos relevantes, especialmente em ações fiscais, trabalhistas e de cobrança.
O reconhecimento judicial desse tipo de grupo não exige má-fé, bastando a evidência de comunhão de estrutura, gestão ou finalidade. Por isso, é fundamental que empresários, administradores e consultores jurídicos atuem preventivamente para estruturar corretamente os relacionamentos societários, de forma a preservar a autonomia patrimonial de cada empresa e mitigar os riscos de responsabilização cruzada.


