Responsabilidade dos Sócios e Administradores por Atos Praticados na Vigência da Sociedade Extinta de Fato
- Edson Ferreira
- há 7 dias
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Este artigo analisa a responsabilidade dos sócios e administradores por atos jurídicos praticados durante o período em que a sociedade se encontra extinta de fato, mas ainda formalmente registrada. Muitas empresas encerram suas atividades operacionais sem realizar a devida baixa na Junta Comercial, gerando incertezas sobre a continuidade da personalidade jurídica e a imputação de responsabilidade por obrigações contraídas nesse período. O estudo aborda os fundamentos legais aplicáveis, a distinção entre extinção formal e extinção material, bem como os critérios jurisprudenciais utilizados para responsabilizar os envolvidos, inclusive com base na teoria da aparência e da desconsideração da personalidade jurídica.
No cenário empresarial brasileiro, é comum encontrar sociedades que, por razões econômicas, operacionais ou familiares, deixam de exercer suas atividades de forma prática, ainda que mantenham o registro societário formal ativo — ou, ao contrário, encerram irregularmente sua operação, sem formalizar a extinção no órgão competente.
Esse fenômeno, conhecido como extinção de fato, ocorre quando a sociedade cessa suas atividades sem a correspondente dissolução, liquidação e arquivamento da baixa na Junta Comercial, permanecendo juridicamente existente, mas inativa do ponto de vista operacional e patrimonial.
A partir disso, surge uma série de implicações jurídicas relevantes, especialmente quanto à atribuição de responsabilidade por atos praticados após a cessação prática da empresa, bem como quanto aos reflexos para os sócios e administradores, que podem ser demandados por obrigações civis, fiscais e trabalhistas.
2. Extinção de Fato vs. Extinção Formal da Sociedade
2.1 Extinção formal
Nos termos do Código Civil (arts. 1.033 a 1.038), o encerramento regular da sociedade exige:
Dissolução (por deliberação, prazo ou evento jurídico);
Liquidação (apuração de haveres, pagamento de credores);
Partilha do patrimônio remanescente;
Baixa na Junta Comercial e na Receita Federal.
Somente após essas etapas se considera plenamente extinta a personalidade jurídica, com seus efeitos liberatórios e extintivos.
2.2 Extinção de fato
Ocorre quando a sociedade cessa suas atividades operacionais, ainda que:
Não tenha arquivado distrato social;
Não tenha encerrado o CNPJ;
Mantenha passivos pendentes (inclusive ocultos);
Permaneça registrada nos órgãos públicos.
A jurisprudência reconhece a possibilidade de responsabilização direta dos sócios e administradores, em virtude do abandono da personalidade jurídica sem a devida formalização de extinção.
3. Fundamento Jurídico da Responsabilidade de Sócios e Administradores
Mesmo em sociedades limitadas, cuja responsabilidade dos sócios é, em regra, limitada à integralização do capital (art. 1.052 do CC), os tribunais têm aplicado fundamentos legais complementares para imputar responsabilidade pessoal quando a sociedade se encontra extinta de fato, mas operante ou com obrigações pendentes.
3.1 Art. 50 do Código Civil – Desconsideração da Personalidade Jurídica
“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios.”
3.2 Art. 1.003, parágrafo único, do Código Civil
“O sócio retirante responde, subsidiariamente com os demais, pelas obrigações sociais anteriores à averbação de sua saída, pelo prazo de dois anos.”
3.3 Teoria da aparência
Ainda que a empresa esteja inativa, se atua perante terceiros como se estivesse em atividade, responde por seus atos, e os sócios e administradores podem ser responsabilizados por omissão ou manutenção de aparência de legalidade.
3.4 Jurisprudência fiscal e trabalhista
Em matéria fiscal e trabalhista, a responsabilidade por dívidas não pagas também pode recair sobre os gestores ou sócios, com base no CTN (art. 135) ou pela caracterização de fraude à execução.
4. Jurisprudência sobre Responsabilidade em Sociedades Extintas de Fato
“A extinção de fato da pessoa jurídica, sem formalização do distrato, não impede a responsabilização de seus sócios por obrigações posteriores, especialmente quando houver indícios de continuidade empresarial ou omissão dolosa.” (STJ, AgInt no REsp 1.487.736/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 27/04/2021)
“Mesmo inativa perante a Receita, a empresa que não formaliza sua extinção permanece com existência jurídica e responde pelos seus atos. Os sócios poderão ser chamados a responder, em caso de frustração de execução.” (TJSP, Ap. Cív. 1009372-53.2020.8.26.0100, j. 18/10/2022)
“A omissão na baixa societária caracteriza má gestão e pode ensejar responsabilização pessoal do sócio administrador, por violação aos deveres legais.” (TRF3, Ap. Cív. 0007891-89.2019.4.03.6100, j. 06/06/2023)
5. Efeitos Jurídicos da Omissão no Encerramento Formal
A manutenção da empresa inativa, sem formalização de sua extinção, pode acarretar:
Responsabilização pessoal de sócios e administradores, mesmo após anos do encerramento de fato;
Impedimento de prescrição fiscal e tributária, por ausência de encerramento regular;
Abertura de incidentes de desconsideração da personalidade jurídica com base em omissão dolosa;
Inscrição do nome do sócio em cadastros de inadimplência ou execuções fiscais, como corresponsável;
Execuções baseadas em obrigações contraídas por inércia administrativa (ex: renovação tácita de contratos, tributos lançados de ofício).
6. Boas Práticas para Evitar Responsabilização Indevida
Proceder ao encerramento formal e documentado da sociedade, com arquivamento do distrato na Junta Comercial;
Comunicar o encerramento à Receita Federal, Prefeitura e órgãos fazendários estaduais;
Regularizar eventuais pendências tributárias, trabalhistas ou contratuais;
Documentar a inatividade comercial desde sua ocorrência, para futura comprovação;
Evitar movimentações bancárias ou contratações em nome da sociedade após cessação prática.
7. Considerações Finais
A extinção informal da sociedade, sem regular encerramento documental, expõe os sócios e administradores à responsabilização por atos praticados em nome da empresa, mesmo que ela não esteja mais ativa operacionalmente. A persistência da existência jurídica sem operação torna-se fonte de ônus, obrigações fiscais e passivos ocultos, que podem recair diretamente sobre os envolvidos.
A jurisprudência tem adotado posição firme ao responsabilizar aqueles que, mesmo após a cessação de fato da atividade empresarial, mantêm a aparência de legalidade ou deixam de tomar as providências necessárias para o encerramento formal da sociedade.
A atuação preventiva, com encerramento regular e completo da sociedade, é medida indispensável para evitar riscos jurídicos futuros e proteger o patrimônio dos sócios.