Administração de Fato na Sociedade Empresária: Responsabilidade de Gestores Não Formalmente Investidos
- Edson Ferreira
- há 6 dias
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O presente artigo analisa a figura do administrador de fato nas sociedades empresárias, especialmente quanto à sua responsabilização em situações que envolvam abuso de poder, irregularidades na gestão, fraude contra credores ou prática de atos com repercussões jurídicas relevantes. Embora o Código Civil preveja a nomeação formal dos administradores, a prática empresarial revela a existência de pessoas que, sem estarem investidas contratualmente, exercem funções típicas de gestão. O artigo aborda os critérios jurídicos para configuração da administração de fato, sua distinção em relação ao administrador de direito e os fundamentos legais que autorizam sua responsabilização perante terceiros, inclusive em ações de desconsideração da personalidade jurídica e execuções fiscais.
A administração da sociedade empresária é, nos termos do Código Civil, atribuída aos sócios ou a terceiros formalmente investidos no contrato social ou por deliberação dos sócios. No entanto, a realidade empresarial brasileira revela situações em que determinadas pessoas exercem o comando ou a gestão da sociedade sem estarem regularmente nomeadas.
Essa figura, conhecida como “administrador de fato”, é especialmente relevante em litígios envolvendo responsabilidade civil, fiscal, trabalhista ou falências, pois levanta o questionamento sobre quem realmente responde pelos atos da sociedade quando o gestor não é formalmente constituído.
Este artigo examina os critérios jurídicos para caracterização do administrador de fato, suas implicações legais e os meios pelos quais pode ser responsabilizado, tanto em relação à sociedade como a terceiros prejudicados.
2. Distinção entre Administrador de Direito e Administrador de Fato
Administrador de direito é aquele formalmente investido na administração da sociedade, com poderes definidos no contrato social e registrado na Junta Comercial, nos termos do art. 997, VII, do Código Civil.
Administrador de fato, por sua vez, é aquele que, sem investidura formal, exerce poderes típicos de gestão e representa a sociedade perante terceiros, ainda que de maneira dissimulada, irregular ou informal.
A distinção não se refere à nomenclatura, mas ao exercício efetivo da função de comando dentro da estrutura empresarial. O administrador de fato pode ser sócio oculto, parente de sócio, prestador de serviço ou qualquer terceiro que detenha influência decisória real sobre a sociedade.
3. Fundamentos Legais para Responsabilização do Administrador de Fato
A responsabilização do administrador de fato decorre da conjugação de diversas normas do ordenamento jurídico brasileiro:
3.1 Código Civil – Art. 50 e Art. 927
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz estender os efeitos das obrigações da pessoa jurídica aos bens particulares dos administradores ou sócios.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
A jurisprudência admite que tais efeitos se estendam também ao administrador de fato, quando comprovada sua atuação relevante para o ilícito ou prejuízo.
3.2 Código Tributário Nacional – Art. 135, III
São pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários da empresa os diretores, gerentes ou representantes de fato, quando agirem com excesso de poder ou infração à lei, contrato ou estatuto.
3.3 Lei 11.101/2005 (Lei de Falências) – Art. 82, §1º
A responsabilização dos administradores de fato é admitida nos casos de falência fraudulenta ou má gestão.
4. Jurisprudência sobre Administração de Fato e Responsabilidade
“Comprovada a atuação do administrador de fato como agente decisório na condução da sociedade, responde este por obrigações contraídas em nome da empresa, inclusive em sede de desconsideração.” (STJ, REsp 1.775.091/SP, Rel. Min. Ricardo Cueva, j. 24/03/2022)
“A responsabilização do administrador de fato no âmbito fiscal é admissível desde que demonstrado o exercício de poderes de gestão com excesso ou infração legal.” (STJ, AgInt no AREsp 1.640.721/SP, j. 17/08/2020)
“A ausência de nomeação formal não impede o reconhecimento da responsabilidade de terceiro que exerce, de fato, as funções de administração.” (TJSP, Ap. Cív. 1039293-26.2021.8.26.0100, j. 21/11/2023)
5. Critérios para Reconhecimento da Administração de Fato
Para que o administrador de fato seja responsabilizado, é necessário comprovar que ele:
Praticava atos típicos de gestão, como movimentação bancária, assinatura de contratos, decisão sobre fornecedores, contratações;
Participava das decisões operacionais e estratégicas da empresa;
Beneficiava-se diretamente dos lucros ou da estrutura da sociedade, mesmo sem investidura formal;
Assumia compromissos em nome da empresa ou representava-a perante terceiros.
A prova documental e testemunhal é essencial para evidenciar a conduta gestora de fato, ainda que não haja qualquer menção ao seu nome nos registros públicos.
6. Efeitos Práticos da Responsabilização
A responsabilização do administrador de fato pode ocorrer em diversas frentes:
Cível: indenização por atos de má gestão, abuso de poder, confusão patrimonial ou fraude;
Tributária: responsabilização pessoal por dívidas fiscais quando comprovado excesso de poderes ou infração legal;
Falimentar: imputação de falência fraudulenta, inabilitação empresarial e responsabilização patrimonial;
Trabalhista: responsabilização solidária por verbas inadimplidas decorrentes de atos de gestão informal.
7. Boas Práticas para Prevenir a Configuração de Administração de Fato
Registrar formalmente todos os administradores perante a Junta Comercial;
Evitar que terceiros não investidos pratiquem atos de gestão em nome da empresa;
Manter clara separação entre sócios investidores e gestores operacionais;
Controlar o uso de assinaturas bancárias, procurações e documentos contábeis;
Documentar as deliberações e decisões societárias.
8. Considerações Finais
A administração de fato é fenômeno recorrente nas sociedades empresárias brasileiras e, embora muitas vezes tolerada por questões práticas ou informais, pode acarretar graves consequências jurídicas para aqueles que, sem investidura formal, assumem o controle ou a gestão da empresa.
A responsabilidade do administrador de fato é reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro, especialmente quando demonstrado que sua atuação contribuiu para a prática de atos ilícitos, fraudes, evasão de obrigações ou desvio de finalidade da pessoa jurídica.
A formalidade documental e o respeito aos limites legais de representação são indispensáveis para garantir a segurança jurídica da estrutura societária e proteger os legítimos interesses de sócios, credores, trabalhadores e terceiros contratantes.