Concorrência Desleal entre Ex-Sócios: Limites da Atuação Empresarial após a Dissolução da Sociedade
- Edson Ferreira
- há 6 dias
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O presente artigo analisa os limites jurídicos da atuação empresarial de ex-sócios após a dissolução de sociedade, com ênfase na caracterização de concorrência desleal. A ruptura societária não autoriza, por si só, a utilização de informações privilegiadas, clientela, estrutura operacional ou know-how da empresa anterior. A partir dos princípios da lealdade contratual, boa-fé objetiva e proteção ao segredo empresarial, este estudo aborda as hipóteses em que a atuação do ex-sócio pode ser considerada abusiva, as medidas preventivas por meio de cláusulas contratuais e os mecanismos de responsabilização civil e repressão à concorrência desleal.
A dissolução de sociedades empresárias, especialmente aquelas de natureza limitada ou por quotas, nem sempre encerra por completo os vínculos e as disputas entre os ex-integrantes. É comum que, após a saída de um sócio, este decida empreender no mesmo setor de atuação, muitas vezes utilizando conhecimentos, relações comerciais e estratégias desenvolvidas na empresa da qual participou.
Embora o livre exercício da atividade econômica seja constitucionalmente garantido, esse direito não é absoluto, e a atuação de ex-sócios pode configurar concorrência desleal, nos termos do art. 195 da Lei da Propriedade Industrial (LPI), quando ultrapassa os limites do mercado e atinge direitos da antiga sociedade.
O presente artigo busca traçar os limites jurídicos para a atuação de ex-sócios, identificando hipóteses legítimas e ilícitas de concorrência, com base na doutrina, jurisprudência e legislação aplicável.
2. Princípio da Boa-Fé e Dever Pós-Contratual de Lealdade
O vínculo societário, como qualquer relação contratual de longa duração, gera obrigações pós-contratuais que se estendem mesmo após a extinção formal da sociedade.
A boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil, impõe deveres de:
Lealdade negocial;
Não aproveitamento indevido de informações sigilosas;
Proteção da confiança legítima construída durante a relação societária.
“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
Na seara societária, isso significa que o ex-sócio não pode utilizar clientela, estratégias, sistemas internos ou outros ativos intangíveis da sociedade anterior para obter vantagem competitiva desleal.
3. Concorrência Desleal: Fundamentos e Aplicação ao Ex-Sócio
A Lei da Propriedade Industrial (LPI, Lei nº 9.279/96) prevê, em seu art. 195, as condutas que configuram concorrência desleal, incluindo:
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
[...]
XI – divulga, explora ou utiliza, sem autorização, o conteúdo de informações confidenciais empregadas na indústria, comércio ou prestação de serviços, acessíveis em virtude de relação contratual ou funcional. [...] III – emprega meio fraudulento para desorganizar concorrente.[...]
Tais condutas podem ocorrer mesmo sem fraude direta, bastando que a atuação do ex-sócio ultrapasse os limites normais da livre concorrência, como nos casos de:
Captação direcionada de antigos clientes com base em banco de dados obtido durante a sociedade;
Recrutamento em massa de funcionários da antiga empresa;
Utilização de know-how, modelos de negócio ou tecnologia desenvolvida em conjunto;
Tentativa de confundir o consumidor quanto à identidade ou continuidade da empresa anterior.
4. Jurisprudência sobre Atuação Concorrencial Indevida de Ex-Sócios
“É abusiva a conduta de ex-sócio que, após a saída da sociedade, estabelece empresa concorrente utilizando informações estratégicas obtidas na gestão anterior, caracterizando concorrência desleal.” (STJ, REsp 1.501.091/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 24/11/2020)
“A mera constituição de nova empresa não configura concorrência desleal. No entanto, o uso de clientela da antiga sociedade, sem cláusula expressa de autorização, pode violar o dever pós-contratual de lealdade.” (TJSP, Ap. Cív. 1007743-65.2021.8.26.0100, j. 14/08/2023)
“A proteção ao segredo empresarial independe de registro formal. A obtenção e uso de forma indevida por ex-integrante da sociedade autoriza indenização por perdas e danos.”(TRF3, Ap. Cív. 5004726-98.2020.4.03.6100, j. 27/04/2022)
5. Medidas Preventivas: Cláusulas de Não Concorrência e Confidencialidade
A melhor forma de prevenir litígios é incluir, no contrato social ou em instrumento paralelo (ex: acordo de sócios ou distrato), cláusulas específicas que regulem:
Não concorrência por período determinado após a saída;
Confidencialidade sobre informações internas e estratégicas;
Multa contratual por violação das obrigações pós-sociais;
Devolução de documentos, bancos de dados e dispositivos eletrônicos.
A validade dessas cláusulas depende de critérios de razoabilidade temporal, territorial e funcional, sob pena
de serem consideradas abusivas ou ineficazes.
6. Medidas Judiciais Cabíveis em Caso de Concorrência Indevida
Quando identificada a prática de concorrência desleal por ex-sócio, a empresa prejudicada pode adotar medidas como:
Ação de indenização por danos materiais e morais;
Tutela inibitória para cessar a conduta lesiva (ex: vedar contato com clientela, retirada de site ou plataforma);
Busca e apreensão de documentos ou equipamentos contendo dados confidenciais;
Cláusula penal e pedido de perdas e danos, se houver previsão contratual.
A produção de provas pode incluir e-mails, testemunhas, rastreamento de comunicações, provas técnicas e até perícia em sistemas digitais.
7. Considerações Finais
O término da sociedade não implica o fim de todos os deveres entre os ex-sócios. A atuação empresarial posterior deve respeitar os limites jurídicos impostos pela boa-fé objetiva, pelo sigilo profissional e pela lealdade negocial.
A liberdade de empreender, embora assegurada constitucionalmente, não autoriza condutas que configurem aproveitamento indevido de bens imateriais, clientela ou estrutura da empresa anterior, sob pena de indenização e responsabilização civil por concorrência desleal.
A prevenção por meio de cláusulas contratuais bem redigidas, aliada a uma atuação processual célere quando houver violação, são medidas eficazes para proteger os interesses legítimos das sociedades empresárias em cenários pós-dissolução.