Proteção Jurídica do Know-How Empresarial: Segredo Industrial, Concorrência Desleal e Responsabilidade
- Edson Ferreira
- 5 de jun.
- 4 min de leitura

O presente artigo analisa a proteção jurídica do know-how no contexto empresarial, com foco em sua natureza de ativo intangível não registrado e na vulnerabilidade a práticas de concorrência desleal. A partir do ordenamento jurídico brasileiro — especialmente a Lei da Propriedade Industrial, o Código Civil e princípios contratuais —, discute-se a viabilidade de proteção contra o uso indevido de conhecimentos técnicos, métodos, processos e estratégias empresariais. O trabalho também aborda hipóteses de violação por ex-sócios, colaboradores ou concorrentes, e os meios legais de tutela preventiva e reparatória disponíveis.
A era da economia digital e da inovação tecnológica colocou os ativos intangíveis — como marca, reputação, base de clientes e know-how — no centro da estratégia empresarial. Ao contrário da marca e da patente, o know-how, que compreende o conjunto de informações técnicas, operacionais e comerciais não divulgadas publicamente, não depende de registro para sua proteção, mas exige atenção redobrada quanto à sua gestão e resguardo jurídico.
A violação do know-how pode causar danos severos e irreversíveis, especialmente quando praticada por ex-funcionários, ex-sócios, consultores ou parceiros comerciais, o que levanta a necessidade de compreender os fundamentos legais disponíveis para proteger esse patrimônio imaterial e punir o uso indevido.
2. Conceito e Natureza Jurídica do Know-How
O know-how é definido como o conjunto de conhecimentos práticos e sigilosos aplicáveis à atividade empresarial, que confere vantagem competitiva a quem os detém. Ele pode incluir:
Fórmulas e processos técnicos;
Métodos de produção;
Estratégias de marketing e precificação;
Base de clientes e fornecedores;
Dados de mercado e estrutura logística.
Trata-se de ativo não registrável, protegido pela confidencialidade e pela vedação à concorrência desleal, diferentemente da patente, que exige publicidade e registro junto ao INPI.
3. Fundamentos Legais para Proteção do Know-How
A proteção jurídica ao know-how decorre de múltiplas fontes normativas, entre elas:
3.1 Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96)
Art. 195, XI – Comete crime de concorrência desleal quem: “divulga, explora ou utiliza, sem autorização, o conteúdo de informações confidenciais empregadas na indústria, comércio ou prestação de serviços, [...] a que teve acesso mediante contrato ou relação funcional.”
3.2 Código Civil – Responsabilidade civil
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim econômico ou social do direito.
3.3 Contratos com cláusulas específicas de confidencialidade
Cláusulas que impõem dever de sigilo, obrigação de não uso indevido e proibição de repasse a terceiros, mesmo após o encerramento da relação contratual.
3.4 Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018)
Nos casos em que o know-how envolver bancos de dados de clientes, hábitos de consumo ou algoritmos, pode haver correlação com a LGPD.
4. Formas Comuns de Violação ao Know-How
A violação ao know-how ocorre, em geral, por:
Ex-funcionários ou ex-sócios que fundam empresa concorrente usando conhecimento adquirido;
Prestadores de serviço que repassam estratégias internas a terceiros;
Consultorias, fornecedores ou distribuidores que utilizam indevidamente dados obtidos sob cláusula de confidencialidade;
Divulgação de informações em licitações, propostas técnicas ou apresentações públicas, sem autorização.
A conduta pode ser ilícita mesmo na ausência de má-fé manifesta, se resultar em uso indevido de informação protegida por sigilo contratual ou legal.
5. Medidas Jurídicas Disponíveis em Caso de Violação
A proteção jurídica ao know-how pode ser exercida tanto de forma preventiva quanto reparatória:
5.1 Tutela preventiva
Ação cautelar ou tutela de urgência inibitória, para cessar a divulgação ou uso indevido;
Busca e apreensão de documentos ou mídias digitais com informações sigilosas;
Notificações extrajudiciais reforçando o dever de sigilo.
5.2 Tutela reparatória
Ação de indenização por danos emergentes e lucros cessantes;
Cláusula penal contratual, se prevista em NDA ou contrato principal;
Pedido de retratação pública ou proibição de uso de tecnologia derivada.
A prova técnica e documental é essencial, podendo incluir perícia digital, e-mails, contratos assinados, registro de acesso a sistemas, dentre outros.
6. Jurisprudência Relevante
“O uso indevido de know-how transferido sob cláusula de confidencialidade caracteriza concorrência desleal e gera dever de indenizar, independentemente de registro formal de propriedade industrial.” (STJ, REsp 1.839.078/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10/11/2020)
“A configuração de concorrência desleal independe da comprovação de cópia literal de documentos, sendo suficiente a demonstração do uso de informação estratégica não pública obtida sob vínculo contratual ou funcional.” (TJSP, Ap. Cív. 1009821-33.2022.8.26.0100, j. 12/06/2023)
“Ainda que não registrada, a metodologia de negócios e o modelo operacional de uma empresa compõem seu segredo industrial, sendo protegidos pela LPI e pela boa-fé objetiva.”(TRF3, Ap. Cív. 5008374-39.2021.4.03.6100, j. 18/08/2023)
7. Boas Práticas para Proteção do Know-How
Celebrar NDAs personalizados, com cláusulas específicas e penalidades;
Prever cláusulas de confidencialidade e não concorrência nos contratos de trabalho e prestação de serviços;
Implementar controle de acesso interno a informações sensíveis;
Identificar formalmente o que constitui “informação confidencial”;
Registrar rotinas, treinamentos e orientações que evidenciem a política de sigilo empresarial;
Promover auditorias periódicas e monitoramento de canais de fuga de informação.
8. Considerações Finais
O know-how é um dos principais ativos estratégicos da empresa moderna e, embora não protegido por registro formal, possui respaldo jurídico sólido no ordenamento brasileiro. Sua proteção depende de uma combinação entre instrumentos contratuais, boas práticas internas e mecanismos legais de tutela preventiva e reparatória.
A atuação jurídica proativa, com foco em compliance informacional e blindagem contratual, é essencial para preservar o diferencial competitivo da empresa e garantir que o conhecimento desenvolvido internamente não se transforme em vantagem indevida para concorrentes ou ex-integrantes da estrutura empresarial.