O Ônus do Pedido Indevido de Desconsideração da Personalidade Jurídica: Responsabilidade Processual do Requerente na Jurisprudência Contemporânea
- Edson Ferreira
- 15 de abr.
- 3 min de leitura

O presente artigo visa analisar os desdobramentos jurídicos do uso indevido do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento brasileiro, destacando o crescente entendimento jurisprudencial que impõe ao requerente o ônus pela formulação temerária do pedido. A abordagem perpassa os fundamentos legais da desconsideração (art. 50 do Código Civil e arts. 133 a 137 do CPC/2015), discorrendo sobre o dever de cautela processual, a boa-fé objetiva e as consequências decorrentes da improcedência do pedido, inclusive a condenação em honorários advocatícios e litigância de má-fé. O artigo se propõe, ainda, a discutir os limites entre a tutela do crédito e a responsabilização indevida do sócio.
A desconsideração da personalidade jurídica constitui medida excepcional que visa afastar os efeitos da separação patrimonial entre a sociedade empresária e seus sócios, possibilitando a responsabilização destes, desde que configurado o uso abusivo da pessoa jurídica. Embora o instituto esteja consolidado no sistema jurídico brasileiro, verifica-se crescente banalização de seu uso, notadamente em execuções e cobranças judiciais, como forma de atingir, de maneira automática, o patrimônio dos sócios, independentemente da observância dos pressupostos legais.
Neste contexto, a jurisprudência contemporânea tem reafirmado a necessidade de observância do contraditório, da prova concreta de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, e, especialmente, do dever de cautela do requerente, sob pena de responsabilização por eventual improcedência do pedido, com condenação em honorários advocatícios.
2. Fundamentação Legal e Natureza Jurídica do Incidente
A previsão normativa do instituto encontra-se no art. 50 do Código Civil, o qual determina que a desconsideração somente será admitida diante de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por:
Desvio de finalidade; ou
Confusão patrimonial.
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o incidente ganhou contornos processuais definidos nos arts. 133 a 137, exigindo:
Instauração formal do incidente;
Notificação da parte afetada;
Direito ao contraditório e à ampla defesa;
Fundamentação judicial para deferimento.
A medida, portanto, demanda cautela, lastro probatório e observância do devido processo legal, sob pena de nulidade e responsabilização da parte que requer injustificadamente a desconsideração.
3. A Responsabilidade Processual do Requerente: Honorários e Litigância de Má-fé
A jurisprudência recente tem se posicionado no sentido de que o autor do pedido indevido de desconsideração poderá ser responsabilizado processualmente, com base nos seguintes fundamentos:
Art. 85, §2º, do CPC – sucumbência da parte vencida;
Art. 79 e 80 do CPC – responsabilização por litigância de má-fé;
Princípio da boa-fé objetiva processual – dever de lealdade e diligência.
Exemplos jurisprudenciais:
“A improcedência do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, por ausência de prova dos requisitos legais, impõe à parte requerente o pagamento de honorários sucumbenciais, a fim de coibir o uso temerário do incidente.” (TJSP, Ap. Cív. 1002377-98.2023.8.26.0011, j. 12/02/2024)
“Configurado o abuso do direito de ação, com pedido reiterado e manifestamente infundado de desconsideração da personalidade jurídica, cabível a condenação por litigância de má-fé.” (TJMG, Ap. Cív. 1.0000.21.016184-4/001, j. 29/11/2023)
Esse entendimento reforça a ideia de que a responsabilidade pela formulação temerária do incidente não é apenas moral, mas jurídica e patrimonial.
4. O Equilíbrio entre a Tutela do Crédito e a Proteção ao Patrimônio do Sócio
A aplicação do instituto da desconsideração não pode comprometer a segurança jurídica dos sócios que agem de boa-fé. A mera inadimplência da pessoa jurídica não autoriza o pedido. Exige-se demonstração de comportamento abusivo, dolo ou simulação.
O STJ já decidiu nesse sentido:
“A inadimplência da sociedade empresária não é, por si só, suficiente para justificar o deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.” (STJ, REsp 1.775.091/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 06/05/2021)
Portanto, o sistema jurídico busca garantir a efetividade da tutela do crédito, mas sem comprometer a autonomia patrimonial de forma indiscriminada.
5. Considerações Finais
O uso indiscriminado do incidente de desconsideração da personalidade jurídica compromete a racionalidade do sistema processual e ameaça os pilares da autonomia patrimonial. A responsabilização do requerente pelo pedido indevido representa não apenas uma evolução jurisprudencial, mas um freio necessário à instrumentalização abusiva do Poder Judiciário.
Advogados e partes devem, portanto, atentar-se à necessidade de robusta fundamentação fática e documental antes de formular o pedido, sob pena de suportar os ônus da sucumbência e da má-fé processual.