Compra e Venda de Quotas com Cláusula de Reversão (Cláusula de Clawback): Validade, Modalidades e Riscos Jurídicos
- Edson Ferreira
- 1 de jul.
- 3 min de leitura

O presente artigo analisa a cláusula de clawback — ou cláusula de reversão — aplicada à compra e venda de participações societárias, especialmente em contratos de investimento ou reorganização societária. Trata-se de instrumento contratual que permite a restituição de valores ou ativos transferidos, caso determinadas condições futuras não sejam cumpridas. O estudo aborda sua natureza jurídica, validade à luz do Código Civil, limites contratuais, modalidades e os principais riscos envolvidos, com apoio da doutrina e da jurisprudência recente.
A compra e venda de quotas societárias frequentemente envolve cláusulas condicionais ou resolutivas, utilizadas para ajustar riscos entre as partes, conforme o desempenho da empresa após a transação. Dentre essas cláusulas, destaca-se a chamada cláusula de reversão, também conhecida como cláusula de clawback.
Essa cláusula permite que o vendedor ou investidor recupere parte das quotas transferidas ou do valor pago, caso o adquirente ou a empresa não alcance metas previamente acordadas — seja de natureza financeira, estratégica ou regulatória.
Sua utilização, no entanto, demanda cautela jurídica, sob pena de ser considerada nula, abusiva ou mesmo como tentativa de fraude à lei, se não observados os princípios da boa-fé, proporcionalidade e função social do contrato.
2. Conceito e Natureza Jurídica da Cláusula de Clawback
A cláusula de clawback é uma pactuação contratual acessória, com natureza jurídica de:
Condição resolutiva (arts. 121 e 127 do Código Civil): o negócio se desfaz caso o evento acordado ocorra; ou
Obrigação condicional de devolução parcial do preço ou das quotas, com base em inadimplemento futuro.
Sua estrutura é fundada na autonomia privada (art. 421 do CC) e na possibilidade de as partes modular os efeitos do contrato conforme o risco negocial assumido.
3. Finalidade e Hipóteses de Aplicação
As cláusulas de clawback são utilizadas para:
Proteger o vendedor quando o preço de venda está atrelado a premissas de performance futura;
Garantir a reversibilidade da operação, quando há incerteza sobre passivos ocultos;
Proteger o investidor, caso as demonstrações financeiras não reflitam a realidade patrimonial da empresa;
Corrigir distorções pós-venda, por revelações tardias, litígios inesperados ou perda de contratos estratégicos.
4. Modalidades Comuns da Cláusula de Clawback
Modalidade | Características |
Devolução proporcional do preço | Parte do valor pago é restituído se metas de faturamento ou lucro não forem atingidas. |
Reversão de quotas | Quotas retornam ao vendedor, parcial ou integralmente, se houver inadimplemento. |
Redução automática do valor | O valor da operação é reavaliado com base em ajustes pós-closing. |
Indenização compensatória | O comprador se obriga a pagar diferença por passivos ocultos ou performance frustrada. |
5. Requisitos de Validade Jurídica
Para que a cláusula de clawback seja válida, é necessário que:
O evento futuro e incerto esteja claramente definido (condição objetiva);
Haja limite temporal razoável para verificação da condição;
A cláusula não implique enriquecimento sem causa ou onerosidade excessiva unilateral;
Seja garantido o devido contraditório na apuração das condições (ex: direito a perícia contábil ou acesso a informações);
A pactuação esteja devidamente registrada no contrato social, quando envolver quotas de sociedade limitada.
6. Jurisprudência sobre Cláusula de Reversão
“É válida a cláusula contratual que prevê a devolução proporcional do valor pago por quotas societárias, quando comprovado que as demonstrações financeiras entregues pelo vendedor estavam em desconformidade com a realidade.” (TJSP, Ap. Cív. 1002891-42.2021.8.26.0100, j. 12/07/2023)
“A cláusula de reversão deve ser interpretada restritivamente, não se presumindo inadimplemento genérico ou insatisfação subjetiva.” (STJ, REsp 1.809.871/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10/05/2021)
“Desde que pactuada expressamente, a cláusula de clawback é eficaz para garantir equilíbrio financeiro da operação de compra e venda de participação societária.” (TJMG, Ap. Cív. 1.0000.21.127671-2/001, j. 14/11/2022)
7. Riscos Jurídicos e Cuidados na Redação
Cláusulas genéricas podem ser consideradas nulas por incerteza ou abusividade;
Cláusulas que permitem reversão unilateral sem critério objetivo tendem a ser judicialmente desconsideradas;
A falta de clareza quanto aos prazos e indicadores de desempenho gera litígios e insegurança jurídica;
Eventual cláusula penal ou multa por descumprimento deve ser razoável e proporcional, nos termos do art. 413 do CC.
8. Boas Práticas Contratuais
Utilizar indicadores contábeis auditáveis (ex: EBITDA, faturamento líquido);
Prever mecanismo técnico de apuração, como perícia contábil ou arbitragem especializada;
Estipular prazo máximo para apuração da condição resolutiva;
Registrar a cláusula no contrato social, quando envolver quotas;
Evitar linguagem subjetiva como “a critério exclusivo do comprador” ou “se houver insatisfação”.
9. Considerações Finais
A cláusula de clawback é um instrumento valioso de ajuste de risco negocial e de preservação do equilíbrio contratual em operações de compra e venda de participações societárias. Sua validade, contudo, depende de redação técnica, objetividade e proporcionalidade, sob pena de litígio e invalidação.
A atuação preventiva do advogado empresarial é indispensável para estruturar cláusulas claras, auditáveis e juridicamente eficazes, assegurando previsibilidade às partes e evitando disputas sobre metas, prazos e consequências econômicas da operação.