Cláusulas de Earn-Out em Contratos de Compra e Venda de Participações Societárias: Riscos, Validade e Litígios
- Edson Ferreira
- 1 de jul.
- 4 min de leitura

Este artigo examina as cláusulas de earn-out inseridas em contratos de compra e venda de participações societárias, com ênfase nos aspectos jurídicos relacionados à sua validade, execução, riscos e controvérsias decorrentes da sua interpretação. Comuns em operações de fusões e aquisições (M&A), essas cláusulas vinculam parte do preço de aquisição ao desempenho futuro da empresa, sendo fonte frequente de litígios sobre critérios contábeis, metas de resultado e deveres de cooperação. O estudo analisa o tratamento legal, os parâmetros contratuais recomendáveis e a jurisprudência que norteia sua aplicação prática.
Nas operações de compra e venda de participações societárias, sobretudo em operações de M&A, é cada vez mais comum o uso de cláusulas de earn-out, que condicionam parte do preço da transação ao desempenho econômico da empresa adquirida em período futuro. Essa prática busca mitigar incertezas sobre a capacidade operacional da empresa e reduzir o risco de assimetria de informações entre vendedor e comprador.
Contudo, a implementação do earn-out exige previsões contratuais precisas, sob pena de litígios complexos envolvendo apuração de resultados, manipulação contábil, falta de cooperação entre as partes ou frustração das expectativas legítimas.
Este artigo analisa a estrutura jurídica do earn-out, sua natureza obrigacional, as cautelas recomendáveis em sua redação e os principais pontos de conflito judicial.
2. Conceito e Natureza Jurídica do Earn-Out
O earn-out é uma cláusula contratual acessória, mediante a qual as partes convencionam que uma parte do valor da compra de participação societária será paga posteriormente, de forma variável, a depender de metas financeiras, operacionais ou estratégicas pactuadas — geralmente após o fechamento da transação (post-closing).
Exemplos de metas:
Receita bruta ou líquida;
EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização);
Margem de lucro;
Retenção de clientes;
Crescimento de unidades/franquias.
Juridicamente, o earn-out tem natureza de obrigação condicional e futura, disciplinada pelos arts. 121 a 130 do Código Civil, e se insere no âmbito da função econômica e distributiva do contrato (art. 421 e 421-A do CC).
3. Finalidade e Aplicabilidade Prática
As cláusulas de earn-out visam:
Reduzir incertezas quanto ao valuation em empresas com histórico curto, expansão acelerada ou dependência de fatores externos;
Alinhar incentivos entre o antigo controlador e o novo comprador;
Permitir ao vendedor participar dos resultados futuros, especialmente quando há expectativa de crescimento.
Essa estrutura é comum em:
Empresas emergentes (startups, healthtechs, fintechs);
Negócios familiares em processo de sucessão;
Incorporações com integração gradual.
4. Riscos e Fontes Comuns de Litígios
As principais causas de controvérsia nos contratos com earn-out são:
4.1 Ambiguidade nos critérios de apuração
Métricas vagas, fórmulas incompletas, ausência de padrão contábil aplicável.
4.2 Manipulação dos resultados
Alterações de política contábil, retirada de receita, aumento artificial de custos.
4.3 Falta de cooperação ou acesso a informações
Negativa de acesso aos documentos financeiros para apuração do resultado.
4.4 Dolo ou má-fé na condução pós-fechamento
Dificultar a obtenção das metas intencionalmente para evitar o pagamento.
“A cláusula de earn-out deve observar o princípio da boa-fé objetiva e garantir ao vendedor acesso razoável às informações contábeis necessárias para aferição da condição pactuada.” (TJSP, Ap. Cív. 1037894-29.2021.8.26.0100, j. 15/06/2023)
5. Requisitos Contratuais para Maior Segurança Jurídica
Para evitar litígios, o contrato deve conter:
Definição objetiva e técnica dos indicadores de performance;
Período de apuração claramente delimitado;
Base contábil aplicável (IFRS, BRGAAP etc.);
Cláusula de auditoria ou perícia independente em caso de divergência;
Direito de acesso às informações operacionais pelo vendedor;
Cláusula penal ou multa por descumprimento da obrigação de pagar;
Regras sobre eventuais mudanças no modelo de negócio (ex: fusões ou spin-offs durante o período de earn-out).
6. Jurisprudência e Tendência Judicial sobre Earn-Out
Embora não haja legislação específica sobre earn-out no Brasil, a jurisprudência tem reconhecido sua validade, desde que não haja abuso, desvio de finalidade ou má-fé na condução da empresa após a venda.
“É válida a cláusula de earn-out, desde que os critérios estejam claramente definidos, não havendo direito ao pagamento se a meta não for alcançada de forma objetiva.”(TJMG, Ap. Cív. 1.0024.19.264758-2/001, j. 03/03/2023)
“A ausência de transparência e cooperação entre as partes, somada à alteração contábil unilateral para frustrar o cumprimento do earn-out, autoriza revisão judicial do contrato.” (STJ, REsp 1.942.013/SP, Rel. Min. Ricardo Cueva, j. 18/11/2022)
7. Boas Práticas para Redação e Execução do Earn-Out
Redigir cláusulas com apoio contábil e jurídico especializado;
Incluir simulações de cálculo no contrato, como anexo;
Garantir acesso documental ao vendedor durante o período de apuração;
Evitar cláusulas que dependam exclusivamente de atos discricionários do comprador;
Estipular cláusula de solução por arbitragem ou perito técnico independente, com prazo e forma de apuração bem definidos.
8. Considerações Finais
As cláusulas de earn-out representam uma ferramenta de negociação legítima e eficiente, desde que estruturadas com clareza, transparência e equilíbrio contratual. Embora úteis para equalizar expectativas entre comprador e vendedor, seu sucesso depende da coerência dos critérios adotados, da boa-fé na execução e da previsibilidade da condição suspensiva.
A ausência de cuidados na redação contratual, somada à condução unilateral das atividades após a venda, pode ensejar litígios complexos e discussões sobre nulidade, revisão ou inadimplemento da obrigação de pagar o earn-out.
A atuação preventiva do advogado empresarial — desde a due diligence até a redação final — é essencial para garantir segurança jurídica, previsibilidade financeira e proteção aos interesses de ambas as partes envolvidas na transação.