O bem de família é um instituto jurídico fundamental no direito brasileiro, instituído para proteger o imóvel residencial da entidade familiar contra execuções forçadas, assegurando a segurança e estabilidade do lar. Contudo, essa proteção não é absoluta.
Em determinadas situações, o bem de família pode ser penhorado ou perder sua condição de impenhorabilidade. Este artigo explora o conceito de bem de família, suas características, as situações que levam à sua descaracterização, os cuidados que os proprietários devem tomar para evitar a perda do imóvel, e a interpretação dos tribunais, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre o tema.
1. Conceito de Bem de Família
O bem de família, conforme definido pela Lei n.º 8.009/1990, é o imóvel residencial utilizado pela entidade familiar, que goza de proteção contra penhora para pagamento de dívidas.
Existem duas modalidades principais de bem de família:
Bem de Família Legal: Instituído automaticamente pela lei, essa modalidade protege qualquer imóvel utilizado como residência da família, sem a necessidade de declaração ou registro específico.
Bem de Família Convencional: Previsto no Código Civil, este é instituído voluntariamente pelos proprietários através de escritura pública ou testamento, necessitando de registro no Cartório de Registro de Imóveis. Além de imóveis, podem ser incluídos bens móveis essenciais à residência.
2. Características e Proteções do Bem de Família
O bem de família é caracterizado principalmente pela:
Impenhorabilidade: A proteção contra a penhora, que impede que o imóvel seja usado para pagamento de dívidas, exceto nas hipóteses previstas em lei.
Inalienabilidade Relativa: Embora protegido, o imóvel não é absolutamente inalienável. Pode ser vendido ou dado em garantia, desde que respeitadas as formalidades legais.
Limitação à Responsabilidade Patrimonial: O bem de família limita a responsabilidade patrimonial do devedor, ao não permitir que o imóvel residencial seja usado para quitar dívidas comuns.
3. Hipóteses de Descaracterização do Bem de Família
Apesar da proteção conferida pela Lei n.º 8.009/1990, há situações específicas em que o bem de família pode ser penhorado, ou seja, sua proteção é relativizada:
Débitos Relacionados ao Imóvel: A proteção não se aplica a dívidas decorrentes de impostos, taxas e contribuições devidas em função do próprio imóvel, como IPTU e taxas condominiais.
Financiamento para Aquisição ou Reforma: Se a dívida foi contraída para a compra, construção ou reforma do imóvel, a proteção é suspensa, permitindo a penhora.
Penhora por Fiança em Contrato de Locação: O STJ, por meio da Súmula 549, reconhece a possibilidade de penhora do bem de família do fiador em contratos de locação. Essa é uma das exceções mais debatidas, pois coloca em conflito a proteção à moradia com a liberdade contratual e a função social do contrato.
Dívidas de Natureza Alimentícia e Trabalhista: O bem de família pode ser penhorado para pagamento de dívidas alimentícias e trabalhistas, considerando que essas dívidas têm prioridade em função de sua importância para a subsistência do credor.
4. Cuidados Necessários para Evitar a Perda do Imóvel
Para evitar a perda do bem de família, os proprietários devem adotar uma postura cautelosa e informada, especialmente em situações que envolvem compromissos financeiros ou garantias a terceiros. Aqui estão algumas recomendações práticas:
Análise Cuidadosa ao Assinar Contratos de Fiança: Aceitar o papel de fiador em um contrato de locação pode expor o imóvel à penhora. Muitos proprietários, ao tentar ajudar familiares ou amigos, assumem essa responsabilidade sem compreender plenamente as consequências jurídicas. Avaliar os riscos e considerar alternativas, como seguro-fiança, pode evitar a perda do imóvel.
Regularização de Débitos Fiscais e Condominiais: Manter em dia os tributos relacionados ao imóvel, como IPTU e taxas condominiais, é essencial. A inadimplência pode resultar na penhora do bem, uma das principais exceções à proteção do bem de família.
Formalização e Registro do Bem de Família Convencional: Se optar pela instituição do bem de família convencional, certifique-se de que todos os procedimentos legais sejam seguidos rigorosamente. A ausência de registro ou falhas na formalização podem resultar na perda da proteção.
Planejamento Patrimonial e Sucessório: Considere estratégias como a criação de usufruto, doações com cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade, para proteger o patrimônio familiar. Esses instrumentos jurídicos ajudam a preservar o imóvel no âmbito familiar e a evitar sua penhora.
Consultoria Jurídica Permanente: Manter uma assessoria jurídica contínua é uma medida preventiva eficaz. Um advogado especialista em direito imobiliário pode fornecer orientação sobre os riscos associados a decisões que envolvam o imóvel, bem como monitorar mudanças legislativas e jurisprudenciais que possam afetar a proteção do bem de família.
5. Posicionamento dos Tribunais e do STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) desempenha um papel crucial na definição das exceções à impenhorabilidade do bem de família. A jurisprudência da Corte, ao longo dos anos, tem equilibrado a proteção do imóvel residencial com os direitos dos credores, reconhecendo que a impenhorabilidade não é absoluta. Destacam-se as seguintes interpretações:
Penhora por Fiança em Locação: O STJ sustenta a penhora do bem de família do fiador em contratos de locação, argumentando que o fiador, ao assumir voluntariamente a obrigação, expõe seu patrimônio ao risco de execução, incluindo o imóvel residencial.
Dívidas Alimentícias e Trabalhistas: Em casos de dívidas alimentícias e trabalhistas, o STJ tem autorizado a penhora do bem de família, justificando que a proteção da subsistência do credor prevalece sobre a impenhorabilidade do imóvel.
Conclusão
O bem de família é uma proteção legal de grande importância no direito brasileiro, mas sua impenhorabilidade possui limites bem definidos. As exceções previstas em lei, como dívidas fiscais, financiamentos, fiança em contratos de locação, e dívidas alimentícias e trabalhistas, devem ser conhecidas e compreendidas pelos proprietários de imóveis.
Para aqueles que desejam ajudar familiares ou amigos, é fundamental adotar uma postura cautelosa, avaliando os riscos e buscando alternativas que não comprometam a segurança do lar familiar. A formalização correta do bem de família convencional, a manutenção dos tributos em dia, o planejamento patrimonial e sucessório, e a consultoria jurídica permanente são medidas que podem prevenir a perda do imóvel.
Estar atualizado sobre as interpretações do STJ e as mudanças na legislação é essencial para garantir que a proteção do bem de família continue válida e eficaz, preservando assim o patrimônio e a estabilidade da entidade familiar.
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